Com a presença do presidente da república, Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, o embaixador de Israel em Portugal e várias outras autoridades e entidades, foi finalmente inaugurado nesta passada Sexta-Feira e Sábado o Museu de Aristides de Sousa Mendes, instalado na "casa do Passal", onde o cônsul português viveu alguns anos da sua vida juntamente com a sua numerosa família: esposa e 14 filhos.
O museu situa-se na localidade de Cabanas de Viriato, perto de Carregal do Sal, no interior centro do país.
Como velho e fiel admirador da vida e da obra humanitária deste grande herói português, não poderia deixar de estar presente com uma das minhas filhas na tão ansiada inauguração deste Museu, uma vez que em 2013 me envolvi numa campanha para a reabilitação desta casa, então em completa ruína.
Despromovido pelo ditador Salazar por ter desobedecido às suas ordens, por ter emitido vistos no consulado português em Bordéus para que cerca de 30 mil refugiados, na grande maioria judeus, pudessem escapar dos horrores do Holocausto, permitindo que se refugiassem em Portugal até embarcarem posteriormente para as Américas, o "cônsul desobediente" preferiu "estar de bem com Deus contra os homens a estar de bem com os homens contra Deus." Aristides de Sousa Mendes, quiçá o maior humanista português de sempre, preferiu colocar as vidas dos outros à frente dos seus próprios interesses pessoais. Que grande exemplo de altruísmo! Como recompensa, Salazar despromoveu-o da sua condição de cônsul, tirando-lhe o salário, levando a que o cônsul acabasse os seus dias na maior miséria, doente e com imensas dívidas na farmácia e na mercearia, que mais tarde lhe viriam a penhorar a casa da família...
Volto a afirmar que Aristides de Sousa Mendes, tão maltratado pelo estado e desconhecido ou esquecido pelas autoridades e pela maioria dos portugueses, foi mesmo assim o maior herói da nossa História, realizando um acto singular, desprovido de qualquer apoio, mas culminando com a salvação física de milhares de judeus, alguns deles figuras importantes, como é o caso de Salvador Dali...
Mesmo implorando o favor e a mercê de Salazar, que se dizia cristão, para que não acabasse por morrer à fome juntamente com a sua enorme prole, o cônsul recebeu como resposta o desamparo e a despromoção profissional. Não só Salazar, mas o próprio papa da época, a quem Aristides solicitou em duas cartas o socorro e a misericórdia que se esperariam de um "cristão", remeteu-se ao silêncio, não respondendo a nenhuma das duas cartas, cujas cópias oferecidas por um dos netos do cônsul guardo com muito carinho. Aristides tentou tocar no coração do papa, alegando que tinha realizado um acto de misericórdia aos "irmãos de Jesus", salvando 30 mil deles, mas a resposta que recebeu foi o absoluto silêncio...
Este Museu agora aberto ao público é assim visita obrigatória para quem ama o povo judeu e também a nossa História, repleta de grandes feitos heróicos, mas nenhum com este alcance humanista de âmbito mundial. Visitar este Museu é prestar a devida e justa homenagem a tão importante figura da nossa História, e que tanto nos deveria encher de orgulho, pese embora o triste facto de continuar ignorado por muitos, injustiçado e até desprestigiado pela nossa comunicação social, presente na inauguração, mas mais interessada em inquirir do presidente as suas opiniões sobre questiúnculas da política nacional...Uma vergonha! É lamentável o estado a que a nossa comunicação social chegou, preferindo dedicar o seu tempo a temas dispensáveis do que prestigiar e tornar conhecido ao público a pessoa e a obra do grande Aristides de Sousa Mendes...!
Todas as vezes que vamos a Israel com um grupo de turistas portugueses e brasileiros, fazemos questão de visitar a árvore plantada em homenagem a Aristides de Sousa Mendes no Museu do Holocausto, em Jerusalém, a capital de Israel, aproveitando o ensejo para narrar um pouco da história deste cônsul português só muito recentemente reabilitado pelo estado português.
A "Casa do Passal" onde se encontra o Museu esteve ao abandono total durante décadas, tendo o seu interior sido praticamente todo espoliado. Quando ali estivemos pela primeira vez em 2013 aquando de uma grande homenagem ali prestada por familiares descendentes de refugiados salvos pelo cônsul, constatámos da vergonha que a casa praticamente em ruínas revelava sobre a atitude dos vários governos do estado português, que nada fizeram durante décadas para reconstruir o palacete e honrar a memória do cônsul que em apenas 48 horas, passou vistos no consulado de Bordéus, para que cerca de 30 mil seres humanos pudessem escapar dos fornos crematórios nazis...Esse desmazelo só revela a miserabilidade e mesquinhez de um estado que negligencia e até maltrata os seus verdadeiros heróis, em troca de outros valores insignificantes por comparação.
O Museu pode ser visitado de Terça a Domingo, entre as 10 e as 13, e as 14 e as 18 horas, com entradas gratuitas até ao final do mês de Agosto. Vale a pena visitar e conhecer este espaço, prestando assim o merecido tributo ao cônsul, conhecer a sua vida e percurso como cônsul em várias partes do mundo, ver alguns exemplares dos vistos por ele passados quando cônsul em Bordéus, e ainda os testemunhos de alguns dos muitos que ele salvou do extermínio nazi.
Esta Casa é na verdade "um lugar de memória."
Poder no final do dia estar com um dos netos do cônsul Aristides, ouvir de viva voz por mais de uma hora alguns relatos sobre a vida desse grande homem, foi para mim um privilégio, acrescentando ainda mais admiração àquela que já nutria pelo cônsul. Tratou-se na realidade de uma verdadeira aula de História, melhor ainda, ter participado de uma lição sobre o humanismo exemplar demonstrado na prática por aquele grande vulto, um modelo a seguir pelas próximas gerações...
Shalom, Israel!
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