"Hoje nós, judeus, cristãos e muçulmanos, juntamente com os nossos irmãos e irmãs de outras religiões, honramos o nosso pai Abraão, fazendo o que ele fez: olhamos para o céu, e peregrinamos na terra" - afirmou o chefe católico no início do seu discurso neste passado Sábado, na terra de Abraão, Ur da Caldeia (actual Iraque). Apesar desta alusão, a verdade é que não havia nenhum judeu ali presente. Não só nenhum foi mencionado na lista dos mártires do Daesh, como nenhum judeu foi sequer incluído na lista dos convidados. E isso apesar de os judeus também terem sido vítimas da opressão religiosa no Iraque.
JUDEUS NO IRAQUE
A comunidade judaica no Iraque data de há 2.500 anos. Ali se encontra o túmulo do profeta Naum. Em 2020, a sinagoga ao lado do túmulo do profeta Ezequiel foi convertida em mesquita. A comunidade judaica no Iraque foi através da História alvo de violência periódica que culminou na segunda metade do século XX. Em 1951, Israel realizou a famosa "Operação Esdras e Neemias", resgatando por via aérea entre 120 a 130.000 judeus iraquianos, trazendo-os para Israel através do Irão e de Chipre. Nessa altura, só ficaram 5.000 judeus no Iraque. Em 1968 só haviam 2.000. Em 2020, a população judaica no Iraque resumiu-se a quatro pessoas.
ORAÇÃO JUNTO AO FAMOSO ZIGURATE PAGÃOO encontro inter-religioso para "oração", sem a presença de judeus, realizou-se perto do zigurate - pirâmide - de Ur, a cidade natal do patriarca Abraão. Localizada a cerca de 300 quilómetros a Sul da capital Bagdade, ela é uma estrutura neo-suméria localizada perto de Nasiriyah, na actual província de Dhi Qar. Em tempos antigos, este zigurate funcionava como centro religioso e era parte de um complexo do templo dedicado à idolatria. A recuperação de cerca de 2 mil túmulos pelos arqueólogos revela que este sítio, escavado há cerca de 100 anos por Leonard Woolley, era usado para a prática de sacrifícios humanos em larga escala, especificamente de crianças.
Ur da Caldeia está situada na margem Sul do rio Eufrates, a cerca de 16 quilómetros da cidade de Nasiriyah, e remonta a 6 mil anos, com as primeiras referências escritas relacionadas à cidade datadas de há 4 mil anos. É actualmente património da humanidade, com vastas escavações a decorrer na região, tendo a maior descoberta sido o zigurate de Ur, um enorme santuário em granito dedicado ao deus lua Nanna, e que fazia de um vasto complexo religioso, revelando uma pujante cidade da época do bronze e imbuída de cultos e práticas pagãs, incluindo o sacrifício de crianças.
ABRAÃO DE UR DA CALDEIAAbrãao cresceu nesta cidade há cerca de 4 mil anos, tendo saído abruptamente da mesma, rejeitando a sua cultura pagã e seguindo o convite do Senhor Deus para dirigir-se até Canaã. Apesar de ser a terra de nascimento do patriarca "pai dos judeus", Ur nunca foi local de peregrinação para o judaísmo. Par ao judaísmo não conta muito onde começamos as nossas vidas, mas mais nas jornadas que percorremos ao longo da vida. Ur da Caldeia é assim o ponto de partida, não de chegada. Ao contrário do papa, que fez questão de voltar ao centro da idolatria da antiga Babilónia. Sendo quem é, sentiu-se perfeitamente em casa...
O Talmude ensina que, a meio de tanta idolatria e abuso de poder pelos senhores da cidade, Abraão viu um mundo em chamas no meio. Ele viu injustiça, imoralidade e um mundo que se tinha corrompido. O Talmude acrescenta ainda que Abraão olhou à volta para os templos, ídolos, santuários e credos, e perguntou: se o sol brilhava, por que é que poderia ser escurecido todos os dias? Se a lua governava, como é que ela poderia ser coberta pelas nuvens governadas pelo vento? O mundo deve ter ordem, estrutura e design. E ele deve ter um designer, um Criador. Abraão dedicou a sua vida a esses valores, trazendo o monoteísmo ao mundo. A sua revolução ideológica assumiu uma grande coragem e convicção, requerendo até que ele se posicionasse contra o seu próprio pai, que comercializava ídolos, como evidencia a famosa história de Abraão como criança a quebrar os ídolos do seu pai.
Ao contrário do pensamento presente na visita do chefe católico ao antigo centro da idolatria e do paganismo, para Abraão, Ur representou tudo aquilo que devia ser rejeitado, tornando-se essa sua saída de Ur a génese do monoteísmo e crença num Deus Único e Verdadeiro.
UM SHOW INÚTILPara quem pensa que a visita do papa vai resolver a perseguição aos cristãos, a desilusão será grande. A visita dele ao Iraque, conquanto ao que parece bem intencionada, não passou de um show mediático, pleno de discursos e de boas intenções. "Quem odiava os cristãos continuará a odiá-los não obstante o que o papa tenha dito, e quem tolerava os cristãos continuará a fazê-lo. Se o papa pensa que vai mudar a mente de uma só pessoa, estará sendo demasiado optimista" - afirmou o Dr. Mordechai Kedar, professor de estudos árabes na universidade Bar Illan.
Shalom, Israel!